domingo, 13 de abril de 2008

Perdas inerentes

O Prosa e Verso do Globo deste sábado (que veio meio chocho, com cara de obrigação e sem a menor empolgação) trouxe na matéria de capa a divulgação de um ciclo de palestras da Associação Brasileira de Letras aqui no Rio. “Vida Vício Virtude” pretende discutir a atualidade de algumas palavras e suas relações com as mutações nos valores da sociedade contemporânea. Entre os diversos termos-chaves a serem explorados pelos palestrantes - sabedoria, injustiça, intemperança, vergonha e liberdade, etc – a palavra amizade é que me saltou aos olhos. O jornalista Marcelo Coelho, palestrante incumbido do termo, diz algo singelo, meio lugar-comum, porém pertinente, sobre o conceito. “Seria excessivamente pessimista imaginar o ‘fim’ de uma forma de relacionamento tão ampla e autenticamente humana quanto a amizade”, diz ele na matéria.

Não por acaso eu havia retornado de um aprazível almoço (medalhão de frango com arroz à piamontese, hummma delícia!) com pessoas que me são caras. Um seleto e diminuto grupo,é verdade, pois não sou chegada à intimidades em larga escala, prefiro qualidade à quantidade; conforto (entenda-se bem-estar e paz de espírito) ao luxo (entenda-se frivolidades sociais). E conversa vai conversa vem, anedotas daqui e dali e lembranças arrancadas do fundo do baú, um susto. E como todo – e bom – susto que se preza, ele veio seguido de uma suspensão do pensamento, da respiração, e então tudo era só silêncio. Eis que uma forma difusa e vaga de percepção adormecida, porém muito real, entrou em cena. Alí, numa mesa do La Mole, eu fora acometida da sensação, algo inexplicável cuja definição mais próxima a que chego - ainda assim com um pé atrás, pois como diria Oscar Wilde, “definir é limitar” - seria a de uma espécie de tristeza feliz.

Ali, reunida com amigos (embora fossem todas meninas, uso o termo no masculino, pois se aplica a situações mais gerais em que também experimentei a mesma sensação) senti uma paz profunda e a certeza de que estava e estou (estamos) cumprindo misteriosas e inexplicáveis missões. Eu sabia que estava no meu próprio ponto. No caminho de casa, aquela sensação permanecia, bem como permanecia – e aumentava - o desejo de compreende-la mais a fundo e de compartilhá-la com algum possível interlocutor. Muito embora seja necessário reconhecer que através de uma definição, por mais simplória e delimitante que seja, desconhecidos possam formar uma melhor imagem do objeto-sensação em questão, segue o resultado de uma conjectura ousada, pois breve e limitada verbalização de uma emoção:

No ato de sentir- se feliz associa-se a idéia do passageiro que é tudo, do amanhã cheio de interrogações, da exceção que aquilo significa. Pois há uma perda inerente a cada encontro, que desperta a consciência agridoce do não ter na hora do ter. Tristeza feliz é assim, agridoce. Tristeza feliz é a que surge depois de encontros verdadeiros, que prescindem de palavras. Encontros verdadeiros são os que se dão de inteligência para inteligência. Sente-se no ar, na pele, na ponta dos dedos, que eles realizam em cada pessoa a parte delas que ficou pura e melhor, que se sublimou. E a vida segue assim, como um espetáculo de balé ou uma ópera, repleta de amor, drama, encontros, desencontros e sublimação.

Grandes encontros acontecem entre grandes amigos, e nenhum escritor definiu tão bem o que chamo de encontro de inteligências - o reconhecer um amigo - como Oscar Wilde nos primeiros versos de Loucos e Santos: "Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante".

domingo, 6 de abril de 2008

Suasórias [ou coisas convincentemente bonitas]

Sono, que é bom, nada é o nome do filme que protagonizo todas as noites. Morpheus, o homem do "Corta!", é sempre o último a chegar e o último a sair. A gente se dá bem, já me conformei. É assim todos os dias desde meus doze anos (ou onze, sei lá, tô chutando) Mas há dias... há dias em que tenho pulgas na cama e caraminholas na mente. Levanto aos trancos e barrancos, assustando até assombração (saca pomada minâncora? aquela da época de nossos bisavós, da embalagem laranja brega com um marinheiro carregando uma ancora na tampa? é bom pra pele, do rosto principalmente, mas não é nada bonito sabe, não mesmo), pego um caderninho e uma caneta e ponho o preto no branco. Isso porque - e aqui confesso minha completa incompetência para esvaziar a cachola antes de dormir - não consigo por ordem no bafafá, no zumzumzum, nas trivialidaes que por vezes me ocorrem, a não ser botando tudo no papel. Foi assim anteontem, lá pelas tantas da madrugada.

“Devo ter exagerado no chá verde”, pensei, “ou foi no mate?”, “Chá não é leite minha filha”, ouvi meu alter-ego, ou minha mãe? Vai saber. Fato é que, madrugada a dentro, me vem à mente uma idéia. Uma não, várias. Vejam bem, quando umazinha se quer dessas criaturas (sim criaturas) bate o pé, e bate o pé e bate o pé..meu deus, chego a ter palpitações. “Talvez tenha sido um reflexo de uma atividade recente”, pensei, tipo ter escrito mais de 6000 caracteres para um trabalho da faculdade ou do estágio, ou quem sabe por ter tomado a leitura do caderno literário do jornal de sábado como ultima atividade do dia, vai saber.

A verdade é que acordei cheia de energia e pensando em muita coisa, a maioria bonita, embora a frase não faça sentido, pois ta aí uma dupla que em nada combina - coisa e bonita. Mas, foi quando adentraram-me o casco alguns dos meus autores preferidos (há dias em que aparecem todos ao mesmo tempo!) declamando passagens memoráveis de suas obras, verdadeiras cantigas de ninar para adultos - não que eu me considere uma adulta, apesar dos 22, e de God Bless the Child na voz de Nina Simone, mas não imagino um enfant lendo Jane Austen, Joyce, Oscar Wilde, Fitzgerald, e a lista não acaba aí, o post quase - que cheguei a uma conclusão.

Eu realmente aprecio quem fala convincentemente de coisas bonitas. Há pessoas que falam de forma tão convincente sobre coisas tão bonitas que eu não resisto. E pensar em coisas bonitas definitivamente me faz querer prolongar ad infinitum o crepúsculo. E ponto final.

Pus o lápis de lado, o caderninho de anotações na cabeceira e, meus irmãos, voltei à paz de um sono tranqüilo. Pois há dias assim... Há dias em que em que a gente acorda com uma estranha vontade. Dias em que não se consegue parar, em que a noite passa devagar. Há dias em que me deito sem perceber o porquê de tudo isto.