quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

For beauty is nothing but the beginning of terror



Chove forte neste Natal. Me recupero da ressaca gastronômica e emocional da véspera. A comemoração em família reuniu, além dos adultos, os membros mais jovens. A prima caçula de dois anos e sua irmã, cinco anos mais velha, a prima do distrito federal e minha irmã, ambas com dezessete anos, e dois cães, um de quatro, outro de onze. Foi essa trupe que tornou o festejo agradável mas, ao mesmo tempo, atravessado por intermitentes momentos de angústia. A juventude tem uma leveza e alegria por vezes isuportáveis ao coração. A sensação se aproxima a de uma inquietude branda, que sopra leve no peito e, no rosto, faz surgir o semblante típico dos apaixonados, um sorriso bobo. É o regozijo do corpo diante da vida - sempre nova. Seja por isso, seja pelo vinho do Porto ou, ainda, pelo apelo saudosista da trilha sonora (rock/pop dos anos 80), a data foi como deveria ser: a cada espiada, um sorriso besta e uma crença boba na existência dos anjos.

Who, if I cried out, would hear me among the angels'
hierarchies? and even if one of them suddenly
pressed me against his heart, I would perish
in the embrace of his stronger existence.
For beauty is nothing but the beginning of terror
which we are barely able to endure and are awed
because it serenely disdains to annihilate us.


-(primeira elegia do Duinos Elegies, de Rainer Maria Rilke)

]Foto por Trent Parke /Magnum[

domingo, 2 de novembro de 2008

tempo de cão

Há dois meses, David Lynch veio ao Rio lançar o seu livro “Em águas Profundas: Criatividade e meditação”. De tudo o ( pouco) que li das entrevistas com o cineasta nesse período, guardei duas linhas em especial. Cito-as de memória. " Há um certo charme em seres que não conseguem se comunicar plenamente. É por isso que ninguém resiste a animais domésticos e bebês ". Temos um exemplar do primeiro tipo em casa, e o rapaz é tão bom de faro que escolheu para dona a moça do lar mais pronta para compromisso e cheia de amor para dar: mi madre. Eu disse pra ele: " És bom demais para mim monsieur. Saibas que alguém de tua estirpe, da nobre linhagem dos poodles, não merece menos que uma mademoiselle à altura, que leia poesia enquanto dormes. Acredites, meu anjo, la poesie est le triomphe de l'Amour ". E a coisinha acreditou.

Qualquer pessoa que já tenha tido um desses sabe que são necessárias doses diárias e constantes de atenção. Basta o dono sair de casa e voltar logo em seguida passados 10 minutos que para ele foi como se tivessem passado 20 anos. Os cães não têm noção do tempo. Quando o dono sai de casa, os peludos não percebem que ele irá voltar. A única coisa que sabem é que ele foi embora e não está ali. Na ausência, não têm a memória do que falta, apenas a sensação de que falta. Experimentam o abandono momentâneo sem sequer pressentir que sua orfandade é temporária. É quando lhes surge à frente o dono que têm noção do que lhes faltava. E quando este volta, é obrigado a repetir exatamente e sistematicamente as mesmas exclamações de surpresa e felicidade, como se fosse a primeira vez, e não a milionésima, que lhe diz "quem é a coisa mais rica do mundo, quem é?", acompanhado de festinha efusiva e massagens atrás das orelhas. A propósito destas massagens, se bem aplicadas, podem causar convulsões reflexas nas patas ou pernas traseiras. Mas nada de susto, não é epilepsia, é só prazer incontrolado. Irresistíveis? Talvez. Já se saber fonte de todo esse prazer é irresistivelmente bom demais para negar.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Vida longa ao Largo


Estas casinhas coloridas aí são parada obrigatória para os turistas que visitam o Corcovado e pegam o trenzinho na estação Cosme Velho. A uns vinte metros delas, passa o o rio que empresta seu nome aos nascidos na cidade, o Rio Carioca. Só esse batismo geográfico gratuito, por assim dizer, já deveria servir de argumento suficiente para obrigatóriamente nos atrair à todos. Mas nem todo mundo que passa à rua Cosme Velho repara no pequeno beco sem saída perto do túnel Rebouças que parece ter parado no tempo. Aqui, do conforto de minha cadeira giratória, confesso, com as bochechas devidamente quentes e vermelhas, que só pus os pés alí, na manhã de ontem, para fazer uma matéria sobre uma possível revitalização do espaço. Não fosse isso, ainda estaria em déficit com os espíritos dos índios tamoios que viveram lá há muito, muito tempo. Com calçamento em estilo pé-de-moleque, telhados e fachadas do início do século XX, árvores centenárias e o murmurar incessante do riacho, o Largo do Boticário, no sopé da mata atlântica, transborda ares de Rio antigo. Mas, como tantas outras partes históricas da cidade, o abandono e a degradação ameaçam a conservação das suas oito casas históricas, que são tombadas pelo estado. Para terem uma idéia, num primeiro momento, não reconhecemos o velho rio pelo seu shuá shuá característico, mas pelo cheiro fétido que emana. Além disso, a mansão de número vinte - outrora fora lar da lendária família Bittencourt, dona do extinto jornal "Correio da Manhã" - chegou a ser invadida e ocupada famílias de sem-teto em julho de 2006, que de lá só foram retiradas em janeiro deste ano por força de uma liminar da Justiça. Contra-tempos à parte, a boa nova é que após anos de abandono o Largo poderá voltar ao circuito carioca de visitação e resgatar sua antiga beleza. Trocando em miúdos, a única herdeira dos Bittencourt - uma senhora na casa dos oitenta e poucos anos que, dizem as más línguas, anda mais pra lá do que pra cá -, finalmente resolveu seguir a música e passar à diante. Não ela, as casas. O conjunto arquitetônico foi posto à venda; já há compradores interessados e um projeto de arquitetura para renovação do espaço assinado por Elizabeth de Portzamparc está a todo vapor, pronto para saltar do papel. A arquiteta foi contata pelo representante da herdeira para realizar estudos de viabilidade que abrangem a transformação do Largo tanto em um pequeno complexo de "charmosas" pousadas como em um centro ecológico. Señores, do alto do meu conhecimento sobre aquelas bandas, que és muy, muy pequeño, penso que ambas as iniciativas são nobres. Além de valorizarem a vocação turística da região, podem revitalizar a vizinhança. Vejam, basta atravessarmos a rua que topamos com o lendário Casarão dos Abacaxis - doce lar da crítica de teatro Barbara Heliodora, não menos lendária-, a casa de Austregésilo de Athayde, que abriu mês passado para atividades culturais, o museu de Arte Naïf, etc, etc...É certo que serão necessárias adaptações para uso comercial do Largo, e todas serão muito bem-vindas desde que salvaguardadas as integridades física e estética daquelas construções, ou seja, suas fachadas devem ser preservadas, e não transformadas em mais um estilo pós-isso ou pós-aquilo. Se neoclássicas são, neoclássicas devem permanecer. De resto, tudo o que vier será lucro. Não vamos nem falar dos porquês para a iniqüidade de ações públicas, mas é de fazer chorar o abandono daquilo tudo. Há história solidificada naquelas fachadas, berrando, pedindo aos prantos para ser preservada. Por isso, todo projeto que contribua para a recuperação do Largo tende a contar com meu singelo apoio. E todo esse post foi um desabafo, sabem. Um singelo desabafo de uma citadina, dita carioca, que não conhece bem sua cidade - algo indefensável, ela reconhece –, mas que há poucas horas deu de cara num concreto prenhe de história do Rio Antigo. Entrou num beco sem saída, mas saiu feliz por reconhecer o quão ainda é ignorante . Mas doeu, viu, tá latejando até agora..

terça-feira, 21 de outubro de 2008

David Foster Wallace

O escritor americano David Foster Wallace suicidou-se mês passado, aos 46 anos. Nunca li nada dele, mas já li muito sobre ele - "the best mind of his generation", de acordo com o The New York times. A impressão de quem já o leu é que ele poderia escrever sobre absolutamente qualquer coisa, usando o tom que lhe conviesse. Dei um pulo na livraria atrás de Breves entrevistas com homens hediondos, primeira e única obra do autor no país, lançada pela Cia. das Letras. Não obstante comentários entreouvidos por aí, de que começar a ler Wallace por esse livro é como chegar a uma festa em que todo mundo já comeu, bebeu e cantou parabéns, resolvi comprar um exemplar, motivada, em grande medida, por um discurso dele publicado na Piauí deste mês. Posso estar enganada, mas acho que se trata da única reação da imprensa escrita brasileira à morte de David Foster Wallace (mais um atestado da mediocridade do nosso jornalismo cultural). Adorei esse discurso. É a síntese do que todos que têm o mínimo de sensibilidade e consciência disso a que chamamos “vida em sociedade” sentem ou já sentiram em algum momento da existência. O discurso de Wallace me pegou pelo intelecto e pelas entranhas. Fiquei com a sensação de que seu experimentalismo vai além de um mero jogo de artifício realizado no vazio, ele suscita sensações no leitor, e isso já me deixou desejosa de conhecer sua literatura, ainda que seja pelo último docinho da festa.

A leitura do discurso é obrigatória. Abaixo, um trecho:

" Pensem de tudo isso o que quiserem. Mas não descartem o que ouviram como um sermão cheio de certezas. Nada disso envolve moralidade, religião ou dogma. Nem questões grandiosas sobre a vida depois da morte. A verdade com V maiúsculo diz respeito à vida antes da morte. Diz respeito a chegar aos 30 anos, ou talvez aos 50, sem querer dar um tiro na própria cabeça. Diz respeito à consciência – consciência de que o real e o essencial estão escondidos na obviedade ao nosso redor – daquilo que devemos lembrar, repetindo sempre: 'Isto é água, isto é água.'"

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Kunst öffnet die Augen,


ou, traduzindo, “A Arte abre os Olhos”, é a inscrição de um dos 53 cartazes do designer alemão Pierre Mendel, em exposição na Caixa Cultural, aqui do Rio. Dei uma passada no espaço para conferir, achei curiosa a foto divulgação da mostra: um senhor de idade, com cabelos grisalhos, segura um cartaz como se feito prisioneiro das formas singelas. A imagem é a de um homem com o coração apaixonado, tão alegremente amarrado aos constituintes do universo gráfico, que parece ter encontrado, aí, a máxima expressão de liberdade, traduzindo-a em simplicidade. Trabalho árduo este, o de comunicar de forma simples, de comunicar simplesmente. Não é preciso falar alemão para compreender o que Mendell diz, basta ter olhos e coração alinhados para a magia acontecer, afinal, Kunst öffnet die Augen.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Pour l'amour de l'art

Em literatura, quando a narrativa se sofistica a ponto de me surpreender, tenho a sensação de que estou diante de um autor inteligente, que sabe lidar com um elemento básico para a boa ficção. Mas, se o sujeito não se presta ao ofício, sob hipótese alguma deve sair por aí tentando surpreender possíveis leitores. E se a investida partir de um profissional de imprensa, então, torna-se indefensável. Seu texto "surpreendente" servirá, nada mais, do que ao escárnio e à galhofa dentro de uma redação - o que acontece freqüentemente na minha. Hoje, tivemos a piada do dia. E a diversão foi tamanha que, generosa que sou, compartilho-a com vocês. Trata-se de um release sobre uma exposição de arte, no qual o processo de criação do artista é descrito de maneira incomum, ridícula até. Entendam o ridículo aqui como algo que faz rir. Portanto, o trecho que segue é trés ridículo. Um dos repórteres, quando "surpreendido" pela pérola caiu na gargalhada depois de anunciar, com tom de zombaria, sua conclusão.−Ué, gente, ele faz sexo com a tela, só pode!. Leiam, divirtam-se e guardem consigo as conclusões.

Para executar seu trabalho, Rafael coloca as telas em posição horizontal, e se debruça sobre ela, em movimentos repetitivos de vaivém. “Tenho compulsão pelo movimento”, admite, atribuindo o fato ao seu passado “constitutivo e construtivo”.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Felicidade


Acordei meio piegas hoje. Acordei pensando no amor. Carolina diz que não dá pra descrever o amor sem soar um pouco piegas. Carolina é uma grande amiga minha, e não é fácil descrevê-la. Mas também não vim aqui falar de Carolina. Vim falar de amor, e de Charles Chaplin. Melhor, deixarei que ele fale por mim. Já mencionei que nascemos no mesmo dia? Li em algum lugar que 16 de abril é o dia do riso. Bom, em 1985 certamente foi o dia do alívio para minha mãe, mas enfim..não vim falar de risos, tampouco da senhora minha mãe. Como disse, vim falar de Chaplin e de seu amor por uma mulher, Oona. Quando se casaram, em 1943, ele tinha 57 anos e ela 17,nada mal, não? Viveram juntos até sua morte aos 88 anos. Um casamento longo e feliz, com 8 filhos. Agora, por favor, façam silêncio que Charles Spencer Chaplin Jr. - saído da última página de sua auto-biografia Minha Vida - vai falar. É como segue:
Afirmou Schopenhauer que a felicidade é uma condição negativa. Discordo. Nos últimos vinte anos conheci o que significa a felicidade. Tenho a boa fortuna de estar casado com uma criatura maravilhosa. Bem quisera escrever mais sobre isso, porém é de amor que se trata, e o perfeito amor é a mais bela das frustrações, pois está acima do que se pode exprimir. Na convivência com Oona, não cesso de apreciar, através de novas revelações , a profundidade e a beleza do seu caráter. Até quando ela vai à minha frente pelas calçadas estreitas de Vevey, com ar tão simples e tão digno, a sua harmoniosa figurinha erecta, os negros cabelos puxados para trás e mostrando alguns fios de neve, desaba sobre mim uma onda de amor e de admiração por tudo que ela é...e sinto um aperto na garganta. No gozo de tal felicidade, sento-me às vezes em nosso terraço, ao crepúsculo, e com o olhar a se estender sobre a vasta pradaria verde, contemplo o lago e, além do lago, as montanhas tranqüilizadoras; então, sem nada pensar, alheio a tudo, entrego-me prazeroso a essa magnífica serenidade.

domingo, 25 de maio de 2008

Isso é Cultura

Tive uma professora de Literatura, nos tempos de colégio, que costumava dizer que quem gosta de literatura simpatiza com a idéia de que as possibilidades de conhecimentos são infinitas. Ou seja, de que não é humanamente possível conhecer tudo sobre determinado assunto. Bom, até aí tudo bem. Ninguém é tão sabichão assim, responda rápido: Sri Jayawardenapura-Kotte é a capital de que país? Tic-tac, tic-tac, bén! Tá vendo?, não dá pra saber tudo. O que incomoda de verdade, na minha opinião, são as possiblidades infinitas.

Por mais inebriante que seja mergulhar num bom livro, sempre me ocorre um sentimento de frustração quando virada a página derradeira. Millôr Fernades, em texto na Veja desta semana, resumiu (melhor que a tia da escola)a sensação: “Quando leio um livro, e leio com toda atenção, terminada a leitura entendi ou guardei apenas 10% do que li. E ampliei 90% o universo da minha ignorância. Isso é Cultura ”. Melhor explicação não há.

Quanto à questão, a resposta é Sri Lanka . Wikipedia,wikipedia...

domingo, 13 de abril de 2008

Perdas inerentes

O Prosa e Verso do Globo deste sábado (que veio meio chocho, com cara de obrigação e sem a menor empolgação) trouxe na matéria de capa a divulgação de um ciclo de palestras da Associação Brasileira de Letras aqui no Rio. “Vida Vício Virtude” pretende discutir a atualidade de algumas palavras e suas relações com as mutações nos valores da sociedade contemporânea. Entre os diversos termos-chaves a serem explorados pelos palestrantes - sabedoria, injustiça, intemperança, vergonha e liberdade, etc – a palavra amizade é que me saltou aos olhos. O jornalista Marcelo Coelho, palestrante incumbido do termo, diz algo singelo, meio lugar-comum, porém pertinente, sobre o conceito. “Seria excessivamente pessimista imaginar o ‘fim’ de uma forma de relacionamento tão ampla e autenticamente humana quanto a amizade”, diz ele na matéria.

Não por acaso eu havia retornado de um aprazível almoço (medalhão de frango com arroz à piamontese, hummma delícia!) com pessoas que me são caras. Um seleto e diminuto grupo,é verdade, pois não sou chegada à intimidades em larga escala, prefiro qualidade à quantidade; conforto (entenda-se bem-estar e paz de espírito) ao luxo (entenda-se frivolidades sociais). E conversa vai conversa vem, anedotas daqui e dali e lembranças arrancadas do fundo do baú, um susto. E como todo – e bom – susto que se preza, ele veio seguido de uma suspensão do pensamento, da respiração, e então tudo era só silêncio. Eis que uma forma difusa e vaga de percepção adormecida, porém muito real, entrou em cena. Alí, numa mesa do La Mole, eu fora acometida da sensação, algo inexplicável cuja definição mais próxima a que chego - ainda assim com um pé atrás, pois como diria Oscar Wilde, “definir é limitar” - seria a de uma espécie de tristeza feliz.

Ali, reunida com amigos (embora fossem todas meninas, uso o termo no masculino, pois se aplica a situações mais gerais em que também experimentei a mesma sensação) senti uma paz profunda e a certeza de que estava e estou (estamos) cumprindo misteriosas e inexplicáveis missões. Eu sabia que estava no meu próprio ponto. No caminho de casa, aquela sensação permanecia, bem como permanecia – e aumentava - o desejo de compreende-la mais a fundo e de compartilhá-la com algum possível interlocutor. Muito embora seja necessário reconhecer que através de uma definição, por mais simplória e delimitante que seja, desconhecidos possam formar uma melhor imagem do objeto-sensação em questão, segue o resultado de uma conjectura ousada, pois breve e limitada verbalização de uma emoção:

No ato de sentir- se feliz associa-se a idéia do passageiro que é tudo, do amanhã cheio de interrogações, da exceção que aquilo significa. Pois há uma perda inerente a cada encontro, que desperta a consciência agridoce do não ter na hora do ter. Tristeza feliz é assim, agridoce. Tristeza feliz é a que surge depois de encontros verdadeiros, que prescindem de palavras. Encontros verdadeiros são os que se dão de inteligência para inteligência. Sente-se no ar, na pele, na ponta dos dedos, que eles realizam em cada pessoa a parte delas que ficou pura e melhor, que se sublimou. E a vida segue assim, como um espetáculo de balé ou uma ópera, repleta de amor, drama, encontros, desencontros e sublimação.

Grandes encontros acontecem entre grandes amigos, e nenhum escritor definiu tão bem o que chamo de encontro de inteligências - o reconhecer um amigo - como Oscar Wilde nos primeiros versos de Loucos e Santos: "Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante".

domingo, 6 de abril de 2008

Suasórias [ou coisas convincentemente bonitas]

Sono, que é bom, nada é o nome do filme que protagonizo todas as noites. Morpheus, o homem do "Corta!", é sempre o último a chegar e o último a sair. A gente se dá bem, já me conformei. É assim todos os dias desde meus doze anos (ou onze, sei lá, tô chutando) Mas há dias... há dias em que tenho pulgas na cama e caraminholas na mente. Levanto aos trancos e barrancos, assustando até assombração (saca pomada minâncora? aquela da época de nossos bisavós, da embalagem laranja brega com um marinheiro carregando uma ancora na tampa? é bom pra pele, do rosto principalmente, mas não é nada bonito sabe, não mesmo), pego um caderninho e uma caneta e ponho o preto no branco. Isso porque - e aqui confesso minha completa incompetência para esvaziar a cachola antes de dormir - não consigo por ordem no bafafá, no zumzumzum, nas trivialidaes que por vezes me ocorrem, a não ser botando tudo no papel. Foi assim anteontem, lá pelas tantas da madrugada.

“Devo ter exagerado no chá verde”, pensei, “ou foi no mate?”, “Chá não é leite minha filha”, ouvi meu alter-ego, ou minha mãe? Vai saber. Fato é que, madrugada a dentro, me vem à mente uma idéia. Uma não, várias. Vejam bem, quando umazinha se quer dessas criaturas (sim criaturas) bate o pé, e bate o pé e bate o pé..meu deus, chego a ter palpitações. “Talvez tenha sido um reflexo de uma atividade recente”, pensei, tipo ter escrito mais de 6000 caracteres para um trabalho da faculdade ou do estágio, ou quem sabe por ter tomado a leitura do caderno literário do jornal de sábado como ultima atividade do dia, vai saber.

A verdade é que acordei cheia de energia e pensando em muita coisa, a maioria bonita, embora a frase não faça sentido, pois ta aí uma dupla que em nada combina - coisa e bonita. Mas, foi quando adentraram-me o casco alguns dos meus autores preferidos (há dias em que aparecem todos ao mesmo tempo!) declamando passagens memoráveis de suas obras, verdadeiras cantigas de ninar para adultos - não que eu me considere uma adulta, apesar dos 22, e de God Bless the Child na voz de Nina Simone, mas não imagino um enfant lendo Jane Austen, Joyce, Oscar Wilde, Fitzgerald, e a lista não acaba aí, o post quase - que cheguei a uma conclusão.

Eu realmente aprecio quem fala convincentemente de coisas bonitas. Há pessoas que falam de forma tão convincente sobre coisas tão bonitas que eu não resisto. E pensar em coisas bonitas definitivamente me faz querer prolongar ad infinitum o crepúsculo. E ponto final.

Pus o lápis de lado, o caderninho de anotações na cabeceira e, meus irmãos, voltei à paz de um sono tranqüilo. Pois há dias assim... Há dias em que em que a gente acorda com uma estranha vontade. Dias em que não se consegue parar, em que a noite passa devagar. Há dias em que me deito sem perceber o porquê de tudo isto.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Entrada franca: clique aqui

Tem certos filmes, de certos diretores, que a gente paga até entrada inteira no cinema e ainda tasca uma beijoka na bochecha do lanterninha tamanha a felicidade. Tá, podem parar de fazer que sim com a cabeça, vocês concordam, ok. Mas, e se por uma ironia mal-cheirosa do destino filmes dessa natureza não circulem pelas salas de cinema brazucas? Aí é sentar e chorar. Por exemplo, as obras de Hou Hsiao-Hsien, uma das figuras emblemáticas do novo cinema taiwanês, nunca (never, ever) foram exibidas comercialmente por aqui. Pra alguém que não o conhece, fica tudo como d´antes no reino de Abrantes. Mas imagino como ficaria uma pessoa que tenha o mínimo de sensibilidade artística se soubesse que sobre o tal Who-who-quem escreveu certa vez o crítico de cinema Ruy Gardnier:

“Cada vez que se vê uma das grandes cenas de Hou Hsiao-hsien, tem-se a impressão que seu cinema sempre alarga e ultrapassa a visão tradicional de linguagem cinematográfica(...) O cinema de HHH entretém com o espectador um jogo que só pode fazer sentido após o término de cada filme. (...)Um cinema da inteligência, porque é o espectador que tem que construir a história na sua cabeça. Mas um cinema também da beleza, do gozo do olho, da mestria no uso da câmera, da sedução. Hou entende os mecanismos do cinema: extrai uma beleza profunda (porque exige um feedback do espectador) ao mesmo tempo que oferece ao espectador um banquete visual primoroso. Godard dizia: lutar em duas frentes. Hou pode-se dizer adepto”. (trecho extraído de resenha publicada na revista eletrônica Contracampo)

Agora, a quem interessar possa, a UFRJ realiza nos próximos dias uma mostra com seletas obras do diretor. Totalmente 0800. É só clicar no pouco sugestivo título do post.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

It´s Showtime

É curiosa a sensação de ler teoria. Eu sempre experimento a vontade de que todas as pessoas compartilhem daquelas idéias como de uma doutrina obrigatória. A Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord, é um livro que deveria ser lido e compreendido por todos. Mudaria o mundo se obtivesse a penetração de uma Bíblia ou de um livro recém lançado do Paulo Coelho. Mas não. Ele não está lá para ajudar. E muito menos para ser entendido por todos. Eu mesma vou ter que comprar e ler algumas vezes para poder me arrogar a condição de entendida em algumas daquelas idéias. Por enquanto vou, aos espirros e coceiras no nariz, me entendendo com um exemplar emprestado da biblioteca da faculdade.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

These quiet days

Passada a folia de carnaval, a quarta-feira de cinzas chegou nebulosa. Alguém que amo e que sempre esteve presente em minha vida quase vai embora. Quase.

Suando frio e sentindo fortes dores no peito, seu Leonel - meu avô - foi internado e submetido a uma operação de emergência em estado de choque depos de ter infartado.

Deixem-me explicar a vocês de uma forma simples: é como uma plantinha que fica sem receber água e então murcha. A gente pode colocar água novamente e ela talvez fique em pleno vigor, ou não. Aí, já era. O que nós fizemos foi liberar a passagem para o sangue voltar a irrigar o coração, mas agora não depende mais de nós”.

Foi assim que o médico explicou o quadro de saúde de meu grandparent. Grand de grande pai mesmo.
Graças a Deus - e aqui não uso a expressão como ‘forma de expressão'-, a plantinha em questão gosta muito dessa vida. Suas raízes são rijas e bem fincadas na terra.

Meu vô “abriu os olhos” sexta-feira, num gesto triunfal, indescritível. Ele voltou como o sol que nasce após o solstício de inverno. E eu voltei também. Mas, no peito, ficou a estranha consciência da condição humana, de nossa finitude e fragilidade cotidianas. Somos gramíneas brincando de oliveiras. Na mente, dois versos de uma música que diz tudo aquilo que a gente precisa levar na bagagem:"love is a temple, love is the higher law.." E isso basta.