
Estas casinhas coloridas aí são parada obrigatória para os turistas que visitam o Corcovado e pegam o trenzinho na estação Cosme Velho. A uns vinte metros delas, passa o o rio que empresta seu nome aos nascidos na cidade, o Rio Carioca. Só esse batismo geográfico gratuito, por assim dizer, já deveria servir de argumento suficiente para obrigatóriamente nos atrair à todos. Mas nem todo mundo que passa à rua Cosme Velho repara no pequeno beco sem saída perto do túnel Rebouças que parece ter parado no tempo. Aqui, do conforto de minha cadeira giratória, confesso, com as bochechas devidamente quentes e vermelhas, que só pus os pés alí, na manhã de ontem, para fazer uma matéria sobre uma possível revitalização do espaço. Não fosse isso, ainda estaria em déficit com os espíritos dos índios tamoios que viveram lá há muito, muito tempo. Com calçamento em estilo pé-de-moleque, telhados e fachadas do início do século XX, árvores centenárias e o murmurar incessante do riacho, o Largo do Boticário, no sopé da mata atlântica, transborda ares de Rio antigo. Mas, como tantas outras partes históricas da cidade, o abandono e a degradação ameaçam a conservação das suas oito casas históricas, que são tombadas pelo estado. Para terem uma idéia, num primeiro momento, não reconhecemos o velho rio pelo seu
shuá shuá característico, mas pelo cheiro fétido que emana. Além disso, a mansão de número vinte - outrora fora lar da lendária família Bittencourt, dona do extinto jornal
"Correio da Manhã" - chegou a ser invadida e ocupada famílias de sem-teto em julho de 2006, que de lá só foram retiradas em janeiro deste ano por força de uma liminar da Justiça. Contra-tempos à parte, a boa nova é que após anos de abandono o Largo poderá voltar ao circuito carioca de visitação e resgatar sua antiga beleza. Trocando em miúdos, a única herdeira dos Bittencourt - uma senhora na casa dos oitenta e poucos anos que, dizem as más línguas, anda mais pra lá do que pra cá -, finalmente resolveu seguir a música e passar à diante. Não ela, as casas. O conjunto arquitetônico foi posto à venda; já há compradores interessados e um projeto de arquitetura para renovação do espaço assinado por
Elizabeth de Portzamparc está a todo vapor, pronto para saltar do papel. A arquiteta foi contata pelo representante da herdeira para realizar estudos de viabilidade que abrangem a transformação do Largo tanto em um pequeno complexo de "charmosas" pousadas como em um centro ecológico.
Señores, do alto do meu conhecimento sobre aquelas bandas,
que és muy, muy pequeño, penso que ambas as iniciativas são nobres. Além de valorizarem a vocação turística da região, podem revitalizar a vizinhança. Vejam, basta atravessarmos a rua que topamos com o lendário Casarão dos Abacaxis - doce lar da crítica de teatro Barbara Heliodora, não menos lendária-, a casa de
Austregésilo de Athayde, que abriu mês passado para atividades culturais,
o museu de Arte Naïf, etc, etc...É certo que serão necessárias adaptações para uso comercial do Largo, e todas serão muito bem-vindas desde que salvaguardadas as integridades física e estética daquelas construções, ou seja, suas fachadas devem ser preservadas, e não transformadas em mais um estilo pós-isso ou pós-aquilo. Se neoclássicas são, neoclássicas devem permanecer. De resto, tudo o que vier será lucro. Não vamos nem falar dos porquês para a iniqüidade de ações públicas, mas é de fazer chorar o abandono daquilo tudo. Há história solidificada naquelas fachadas, berrando, pedindo aos prantos para ser preservada. Por isso, todo projeto que contribua para a recuperação do Largo tende a contar com meu singelo apoio. E todo esse post foi um desabafo, sabem. Um singelo desabafo de uma citadina, dita carioca, que não conhece bem sua cidade - algo indefensável, ela reconhece –, mas que há poucas horas deu de cara num concreto prenhe de história do Rio Antigo. Entrou num beco sem saída, mas saiu feliz por reconhecer o quão ainda é ignorante . Mas doeu, viu, tá latejando até agora..