terça-feira, 21 de outubro de 2008

David Foster Wallace

O escritor americano David Foster Wallace suicidou-se mês passado, aos 46 anos. Nunca li nada dele, mas já li muito sobre ele - "the best mind of his generation", de acordo com o The New York times. A impressão de quem já o leu é que ele poderia escrever sobre absolutamente qualquer coisa, usando o tom que lhe conviesse. Dei um pulo na livraria atrás de Breves entrevistas com homens hediondos, primeira e única obra do autor no país, lançada pela Cia. das Letras. Não obstante comentários entreouvidos por aí, de que começar a ler Wallace por esse livro é como chegar a uma festa em que todo mundo já comeu, bebeu e cantou parabéns, resolvi comprar um exemplar, motivada, em grande medida, por um discurso dele publicado na Piauí deste mês. Posso estar enganada, mas acho que se trata da única reação da imprensa escrita brasileira à morte de David Foster Wallace (mais um atestado da mediocridade do nosso jornalismo cultural). Adorei esse discurso. É a síntese do que todos que têm o mínimo de sensibilidade e consciência disso a que chamamos “vida em sociedade” sentem ou já sentiram em algum momento da existência. O discurso de Wallace me pegou pelo intelecto e pelas entranhas. Fiquei com a sensação de que seu experimentalismo vai além de um mero jogo de artifício realizado no vazio, ele suscita sensações no leitor, e isso já me deixou desejosa de conhecer sua literatura, ainda que seja pelo último docinho da festa.

A leitura do discurso é obrigatória. Abaixo, um trecho:

" Pensem de tudo isso o que quiserem. Mas não descartem o que ouviram como um sermão cheio de certezas. Nada disso envolve moralidade, religião ou dogma. Nem questões grandiosas sobre a vida depois da morte. A verdade com V maiúsculo diz respeito à vida antes da morte. Diz respeito a chegar aos 30 anos, ou talvez aos 50, sem querer dar um tiro na própria cabeça. Diz respeito à consciência – consciência de que o real e o essencial estão escondidos na obviedade ao nosso redor – daquilo que devemos lembrar, repetindo sempre: 'Isto é água, isto é água.'"

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Kunst öffnet die Augen,


ou, traduzindo, “A Arte abre os Olhos”, é a inscrição de um dos 53 cartazes do designer alemão Pierre Mendel, em exposição na Caixa Cultural, aqui do Rio. Dei uma passada no espaço para conferir, achei curiosa a foto divulgação da mostra: um senhor de idade, com cabelos grisalhos, segura um cartaz como se feito prisioneiro das formas singelas. A imagem é a de um homem com o coração apaixonado, tão alegremente amarrado aos constituintes do universo gráfico, que parece ter encontrado, aí, a máxima expressão de liberdade, traduzindo-a em simplicidade. Trabalho árduo este, o de comunicar de forma simples, de comunicar simplesmente. Não é preciso falar alemão para compreender o que Mendell diz, basta ter olhos e coração alinhados para a magia acontecer, afinal, Kunst öffnet die Augen.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Pour l'amour de l'art

Em literatura, quando a narrativa se sofistica a ponto de me surpreender, tenho a sensação de que estou diante de um autor inteligente, que sabe lidar com um elemento básico para a boa ficção. Mas, se o sujeito não se presta ao ofício, sob hipótese alguma deve sair por aí tentando surpreender possíveis leitores. E se a investida partir de um profissional de imprensa, então, torna-se indefensável. Seu texto "surpreendente" servirá, nada mais, do que ao escárnio e à galhofa dentro de uma redação - o que acontece freqüentemente na minha. Hoje, tivemos a piada do dia. E a diversão foi tamanha que, generosa que sou, compartilho-a com vocês. Trata-se de um release sobre uma exposição de arte, no qual o processo de criação do artista é descrito de maneira incomum, ridícula até. Entendam o ridículo aqui como algo que faz rir. Portanto, o trecho que segue é trés ridículo. Um dos repórteres, quando "surpreendido" pela pérola caiu na gargalhada depois de anunciar, com tom de zombaria, sua conclusão.−Ué, gente, ele faz sexo com a tela, só pode!. Leiam, divirtam-se e guardem consigo as conclusões.

Para executar seu trabalho, Rafael coloca as telas em posição horizontal, e se debruça sobre ela, em movimentos repetitivos de vaivém. “Tenho compulsão pelo movimento”, admite, atribuindo o fato ao seu passado “constitutivo e construtivo”.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Felicidade


Acordei meio piegas hoje. Acordei pensando no amor. Carolina diz que não dá pra descrever o amor sem soar um pouco piegas. Carolina é uma grande amiga minha, e não é fácil descrevê-la. Mas também não vim aqui falar de Carolina. Vim falar de amor, e de Charles Chaplin. Melhor, deixarei que ele fale por mim. Já mencionei que nascemos no mesmo dia? Li em algum lugar que 16 de abril é o dia do riso. Bom, em 1985 certamente foi o dia do alívio para minha mãe, mas enfim..não vim falar de risos, tampouco da senhora minha mãe. Como disse, vim falar de Chaplin e de seu amor por uma mulher, Oona. Quando se casaram, em 1943, ele tinha 57 anos e ela 17,nada mal, não? Viveram juntos até sua morte aos 88 anos. Um casamento longo e feliz, com 8 filhos. Agora, por favor, façam silêncio que Charles Spencer Chaplin Jr. - saído da última página de sua auto-biografia Minha Vida - vai falar. É como segue:
Afirmou Schopenhauer que a felicidade é uma condição negativa. Discordo. Nos últimos vinte anos conheci o que significa a felicidade. Tenho a boa fortuna de estar casado com uma criatura maravilhosa. Bem quisera escrever mais sobre isso, porém é de amor que se trata, e o perfeito amor é a mais bela das frustrações, pois está acima do que se pode exprimir. Na convivência com Oona, não cesso de apreciar, através de novas revelações , a profundidade e a beleza do seu caráter. Até quando ela vai à minha frente pelas calçadas estreitas de Vevey, com ar tão simples e tão digno, a sua harmoniosa figurinha erecta, os negros cabelos puxados para trás e mostrando alguns fios de neve, desaba sobre mim uma onda de amor e de admiração por tudo que ela é...e sinto um aperto na garganta. No gozo de tal felicidade, sento-me às vezes em nosso terraço, ao crepúsculo, e com o olhar a se estender sobre a vasta pradaria verde, contemplo o lago e, além do lago, as montanhas tranqüilizadoras; então, sem nada pensar, alheio a tudo, entrego-me prazeroso a essa magnífica serenidade.

domingo, 25 de maio de 2008

Isso é Cultura

Tive uma professora de Literatura, nos tempos de colégio, que costumava dizer que quem gosta de literatura simpatiza com a idéia de que as possibilidades de conhecimentos são infinitas. Ou seja, de que não é humanamente possível conhecer tudo sobre determinado assunto. Bom, até aí tudo bem. Ninguém é tão sabichão assim, responda rápido: Sri Jayawardenapura-Kotte é a capital de que país? Tic-tac, tic-tac, bén! Tá vendo?, não dá pra saber tudo. O que incomoda de verdade, na minha opinião, são as possiblidades infinitas.

Por mais inebriante que seja mergulhar num bom livro, sempre me ocorre um sentimento de frustração quando virada a página derradeira. Millôr Fernades, em texto na Veja desta semana, resumiu (melhor que a tia da escola)a sensação: “Quando leio um livro, e leio com toda atenção, terminada a leitura entendi ou guardei apenas 10% do que li. E ampliei 90% o universo da minha ignorância. Isso é Cultura ”. Melhor explicação não há.

Quanto à questão, a resposta é Sri Lanka . Wikipedia,wikipedia...

domingo, 13 de abril de 2008

Perdas inerentes

O Prosa e Verso do Globo deste sábado (que veio meio chocho, com cara de obrigação e sem a menor empolgação) trouxe na matéria de capa a divulgação de um ciclo de palestras da Associação Brasileira de Letras aqui no Rio. “Vida Vício Virtude” pretende discutir a atualidade de algumas palavras e suas relações com as mutações nos valores da sociedade contemporânea. Entre os diversos termos-chaves a serem explorados pelos palestrantes - sabedoria, injustiça, intemperança, vergonha e liberdade, etc – a palavra amizade é que me saltou aos olhos. O jornalista Marcelo Coelho, palestrante incumbido do termo, diz algo singelo, meio lugar-comum, porém pertinente, sobre o conceito. “Seria excessivamente pessimista imaginar o ‘fim’ de uma forma de relacionamento tão ampla e autenticamente humana quanto a amizade”, diz ele na matéria.

Não por acaso eu havia retornado de um aprazível almoço (medalhão de frango com arroz à piamontese, hummma delícia!) com pessoas que me são caras. Um seleto e diminuto grupo,é verdade, pois não sou chegada à intimidades em larga escala, prefiro qualidade à quantidade; conforto (entenda-se bem-estar e paz de espírito) ao luxo (entenda-se frivolidades sociais). E conversa vai conversa vem, anedotas daqui e dali e lembranças arrancadas do fundo do baú, um susto. E como todo – e bom – susto que se preza, ele veio seguido de uma suspensão do pensamento, da respiração, e então tudo era só silêncio. Eis que uma forma difusa e vaga de percepção adormecida, porém muito real, entrou em cena. Alí, numa mesa do La Mole, eu fora acometida da sensação, algo inexplicável cuja definição mais próxima a que chego - ainda assim com um pé atrás, pois como diria Oscar Wilde, “definir é limitar” - seria a de uma espécie de tristeza feliz.

Ali, reunida com amigos (embora fossem todas meninas, uso o termo no masculino, pois se aplica a situações mais gerais em que também experimentei a mesma sensação) senti uma paz profunda e a certeza de que estava e estou (estamos) cumprindo misteriosas e inexplicáveis missões. Eu sabia que estava no meu próprio ponto. No caminho de casa, aquela sensação permanecia, bem como permanecia – e aumentava - o desejo de compreende-la mais a fundo e de compartilhá-la com algum possível interlocutor. Muito embora seja necessário reconhecer que através de uma definição, por mais simplória e delimitante que seja, desconhecidos possam formar uma melhor imagem do objeto-sensação em questão, segue o resultado de uma conjectura ousada, pois breve e limitada verbalização de uma emoção:

No ato de sentir- se feliz associa-se a idéia do passageiro que é tudo, do amanhã cheio de interrogações, da exceção que aquilo significa. Pois há uma perda inerente a cada encontro, que desperta a consciência agridoce do não ter na hora do ter. Tristeza feliz é assim, agridoce. Tristeza feliz é a que surge depois de encontros verdadeiros, que prescindem de palavras. Encontros verdadeiros são os que se dão de inteligência para inteligência. Sente-se no ar, na pele, na ponta dos dedos, que eles realizam em cada pessoa a parte delas que ficou pura e melhor, que se sublimou. E a vida segue assim, como um espetáculo de balé ou uma ópera, repleta de amor, drama, encontros, desencontros e sublimação.

Grandes encontros acontecem entre grandes amigos, e nenhum escritor definiu tão bem o que chamo de encontro de inteligências - o reconhecer um amigo - como Oscar Wilde nos primeiros versos de Loucos e Santos: "Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante".

domingo, 6 de abril de 2008

Suasórias [ou coisas convincentemente bonitas]

Sono, que é bom, nada é o nome do filme que protagonizo todas as noites. Morpheus, o homem do "Corta!", é sempre o último a chegar e o último a sair. A gente se dá bem, já me conformei. É assim todos os dias desde meus doze anos (ou onze, sei lá, tô chutando) Mas há dias... há dias em que tenho pulgas na cama e caraminholas na mente. Levanto aos trancos e barrancos, assustando até assombração (saca pomada minâncora? aquela da época de nossos bisavós, da embalagem laranja brega com um marinheiro carregando uma ancora na tampa? é bom pra pele, do rosto principalmente, mas não é nada bonito sabe, não mesmo), pego um caderninho e uma caneta e ponho o preto no branco. Isso porque - e aqui confesso minha completa incompetência para esvaziar a cachola antes de dormir - não consigo por ordem no bafafá, no zumzumzum, nas trivialidaes que por vezes me ocorrem, a não ser botando tudo no papel. Foi assim anteontem, lá pelas tantas da madrugada.

“Devo ter exagerado no chá verde”, pensei, “ou foi no mate?”, “Chá não é leite minha filha”, ouvi meu alter-ego, ou minha mãe? Vai saber. Fato é que, madrugada a dentro, me vem à mente uma idéia. Uma não, várias. Vejam bem, quando umazinha se quer dessas criaturas (sim criaturas) bate o pé, e bate o pé e bate o pé..meu deus, chego a ter palpitações. “Talvez tenha sido um reflexo de uma atividade recente”, pensei, tipo ter escrito mais de 6000 caracteres para um trabalho da faculdade ou do estágio, ou quem sabe por ter tomado a leitura do caderno literário do jornal de sábado como ultima atividade do dia, vai saber.

A verdade é que acordei cheia de energia e pensando em muita coisa, a maioria bonita, embora a frase não faça sentido, pois ta aí uma dupla que em nada combina - coisa e bonita. Mas, foi quando adentraram-me o casco alguns dos meus autores preferidos (há dias em que aparecem todos ao mesmo tempo!) declamando passagens memoráveis de suas obras, verdadeiras cantigas de ninar para adultos - não que eu me considere uma adulta, apesar dos 22, e de God Bless the Child na voz de Nina Simone, mas não imagino um enfant lendo Jane Austen, Joyce, Oscar Wilde, Fitzgerald, e a lista não acaba aí, o post quase - que cheguei a uma conclusão.

Eu realmente aprecio quem fala convincentemente de coisas bonitas. Há pessoas que falam de forma tão convincente sobre coisas tão bonitas que eu não resisto. E pensar em coisas bonitas definitivamente me faz querer prolongar ad infinitum o crepúsculo. E ponto final.

Pus o lápis de lado, o caderninho de anotações na cabeceira e, meus irmãos, voltei à paz de um sono tranqüilo. Pois há dias assim... Há dias em que em que a gente acorda com uma estranha vontade. Dias em que não se consegue parar, em que a noite passa devagar. Há dias em que me deito sem perceber o porquê de tudo isto.