O
Prosa e Verso do Globo deste sábado (que veio meio chocho, com cara de obrigação e sem a menor empolgação) trouxe na matéria de capa a divulgação de um ciclo de palestras da Associação Brasileira de Letras aqui no Rio. “Vida Vício Virtude” pretende discutir a atualidade de algumas palavras e suas relações com as mutações nos valores da sociedade contemporânea. Entre os diversos termos-chaves a serem explorados pelos palestrantes - sabedoria, injustiça, intemperança, vergonha e liberdade, etc – a palavra amizade é que me saltou aos olhos. O jornalista Marcelo Coelho, palestrante incumbido do termo, diz algo singelo, meio lugar-comum, porém pertinente, sobre o conceito. “Seria excessivamente pessimista imaginar o ‘fim’ de uma forma de relacionamento tão ampla e autenticamente humana quanto a amizade”, diz ele na matéria.
Não por acaso eu havia retornado de um aprazível almoço (medalhão de frango com arroz à piamontese, hummma delícia!) com pessoas que me são caras. Um seleto e diminuto grupo,é verdade, pois não sou chegada à intimidades em larga escala, prefiro qualidade à quantidade; conforto (entenda-se bem-estar e paz de espírito) ao luxo (entenda-se frivolidades sociais). E conversa vai conversa vem, anedotas daqui e dali e lembranças arrancadas do fundo do baú, um susto. E como todo – e bom – susto que se preza, ele veio seguido de uma suspensão do pensamento, da respiração, e então tudo era só silêncio. Eis que uma forma difusa e vaga de percepção adormecida, porém muito real, entrou em cena. Alí, numa mesa do La Mole, eu fora acometida da sensação, algo inexplicável cuja definição mais próxima a que chego - ainda assim com um pé atrás, pois como diria Oscar Wilde, “definir é limitar” - seria a de uma espécie de tristeza feliz.
Ali, reunida com amigos (embora fossem todas meninas, uso o termo no masculino, pois se aplica a situações mais gerais em que também experimentei a mesma sensação) senti uma paz profunda e a certeza de que estava e estou (estamos) cumprindo misteriosas e inexplicáveis missões. Eu sabia que estava no meu próprio ponto. No caminho de casa, aquela sensação permanecia, bem como permanecia – e aumentava - o desejo de compreende-la mais a fundo e de compartilhá-la com algum possível interlocutor. Muito embora seja necessário reconhecer que através de uma definição, por mais simplória e delimitante que seja, desconhecidos possam formar uma melhor imagem do objeto-sensação em questão, segue o resultado de uma conjectura ousada, pois breve e limitada verbalização de uma emoção:
No ato de sentir- se feliz associa-se a idéia do passageiro que é tudo, do amanhã cheio de interrogações, da exceção que aquilo significa. Pois há uma perda inerente a cada encontro, que desperta a consciência agridoce do não ter na hora do ter. Tristeza feliz é assim, agridoce. Tristeza feliz é a que surge depois de encontros verdadeiros, que prescindem de palavras. Encontros verdadeiros são os que se dão de inteligência para inteligência. Sente-se no ar, na pele, na ponta dos dedos, que eles realizam em cada pessoa a parte delas que ficou pura e melhor, que se sublimou. E a vida segue assim, como um espetáculo de balé ou uma ópera, repleta de amor, drama, encontros, desencontros e sublimação.
Grandes encontros acontecem entre grandes amigos, e nenhum escritor definiu tão bem o que chamo de encontro de inteligências - o
reconhecer um amigo - como Oscar Wilde nos primeiros versos de
Loucos e Santos: "Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante".